Começa assim: absolutamente “do nada” brota na sua timeline um conteúdo muito polêmico e revoltante. Alguém, por exemplo, disse algo totalmente inaceitável. Em questão de minutos, parece que toda a internet está mobilizada em torno do novo assunto. Gente criticando, gente defendendo, muito bate-boca nos comentários.
Não demora e os prints das variadas opiniões começam a viralizar nos perfis de “fofoca/política”, surgem “especialistas/militantes/influencers” para fazer um contraponto, que também recebem atenção dos perfis já citados e uma nova onda de críticas, revolta e raiva por parte do grande público. Um ou dois dias depois o assunto esfria e tudo acaba em pizza ou em meme. Um novo assunto super importante surge reiniciando o ciclo.
Este é o cenário dos sonhos para as redes sociais que tem como objetivo nos manter o máximo de tempo possível dentro do seu app engajando, mobilizando outros usuários para que todos, no fim, acabem vendo bastante anúncios. Para a rede social realmente não importa quem está certo ou errado na discussão. Para ela o que importa é que essas discussões aconteçam, ainda que no fim, pessoas sejam canceladas, reputações sejam destruídas e democracias virem ruínas.
Você provavelmente sabe disso. Você talvez saiba que no fim das discussões, pouca coisa ou nada vai mudar, mas não importa. Você não pode ignorar. É preciso se manifestar. Mas você já parou para pensar que talvez você esteja sendo usado(a)? Que a sua revolta na verdade é combustível para interesses escusos que não parecem muito evidentes num primeiro momento? Já pensou que a sua revolta online na verdade está servindo para colocar pessoas que você despreza em evidência?
Pois é. Talvez você não tenha percebido, mas existe todo um ecossistema por trás desse fenômeno que surge nas redes sociais ocupando a pauta do dia e que na maioria das vezes ele não é espontâneo. É uma pauta plantada com objetivos que muitas vezes só ficam evidentes após o estrago feito.
No livro “Acredite, eu estou mentindo”, Ryan Holiday, um “manipulador de mídia” - como ele mesmo se define - revela um pouco sobre o submundo desse ecossistema digital. Em resumo, “Blogs precisam de tráfego, e assim histórias inteiras são criadas do nada para fazer isso acontecer”.
Para o autor, o termo blog tem um conceito amplo incluindo “todas as formas de publicação online". Isso abrange tudo, de contas no Twitter aos sites de grandes jornais, aos serviços de vídeo e aos sites com centenas de redatores. Não importa se os donos se consideram blogueiros ou não. A realidade é que todos estão sujeitos aos mesmos incentivos, e eles lutam por atenção com táticas semelhantes”.
“Quando compreendemos a lógica que conduz essas escolhas comerciais, estas se tornam previsíveis. E aquilo que é previsível pode ser previsto, redirecionado, acelerado ou controlado - o que você quiser”. Estamos aqui falando de manipulação da mídia.
É fácil quando se conhece as engrenagens das redes sociais. Basta saber como elas funcionam, como elas se alimentam e dar a elas o que elas mais gostam: o conteúdo que engaja.
A verdade é que os influencers, perfis de “notícia” e fofocas, precisam de conteúdo. Mas não é qualquer conteúdo. Tem que ser um conteúdo que engaje. Tem que ter likes, retweets, compartilhamentos. Sem isso eles perdem relevância. Eles sabem o que engaja e o que “flopa”. E isso determina o que vai ser postado por eles. É por isso que pautas importantes nunca são discutidas, não são postadas, é como se ninguém se importasse com elas.
Enquanto isso, conteúdo de ódio recheado de preconceitos, fake news da extrema direita ganham destaque e se alastram pelas redes sociais. Por que isso acontece?
Ryan destaca algo que já constatamos empiricamente e vem sendo ratificado por estudos: conteúdos que despertam a raiva nas pessoas viralizam mais. “O mais forte preditivo do que se espalha online é a raiva. Quanto mais um artigo deixar o leitor irritado, melhor”.
Hoje em dia até mesmo os grandes portais de notícias compreenderam isso estão cada vez mais apelando para o “bait” nas publicações para aumentar o engajamento e consequentemente os cliques em suas matérias, afinal, eles precisam que leitores entrem nos portais e assim consumam os anúncios ou decidam fazer uma assinatura.
Agora que você já sabe que o melhor tipo de conteúdo para ganhar tração na internet é aquele que nos desperta a raiva, acredito que consiga entender por que o conteúdo da extrema direita é tão viral. Por que eles usam a nossa revolta para isso.
Quando mais pessoas fora da bolha da extrema direita compartilham o conteúdo de ódio, mais ele ganha tração e alcança novos públicos.
Pessoas que talvez não sejam tão radicais, mas que podem ser impactadas pelas discussões e acabar sendo simpáticas ao que aquele conteúdo diz. Pessoas que podem se identificar com aquele conteúdo e se ver representado nos discursos de ódio. Hoje as pessoas já não se sentem constrangidas de serem explicitamente racistas, homofóbicas, transfóbicas, porque a internet valida esse comportamento mostrando pra elas que elas não estão sozinhas. Pelo contrário, elas estão muito bem representadas nos espaços de poder.
Pessoas antes anônimas são alçadas a heróis por dizer o que um grupo de pessoas reacionárias também quer dizer, mas o mais perigoso: pautas estão sendo plantadas para interditar o debate, minar as lutas das minorias e manter aceso o discurso da extrema direita de forma que a “militância” siga engajada até as eleições.
A pergunta que eu te faço é: você quer ser parte disso? Você quer continuar sendo usado mesmo consciente do que está acontecendo?
Talvez você se guie pelos grandes perfis de esquerda ou pelos portais de "notícias" lá Choquei que compartilham de tudo, mas você já sabe por que eles seguem fazendo isso. Eles DEPENDEM deste conteúdo de ódio pra manter o engajamento. É o que atrai seguidores, é o que os tornam relevantes e, no fim, é o que paga as contas. Um ciclo vicioso que se retroalimenta.
Será que eles estão conscientes da contribuição que estão dando para que os objetivos da extrema direita sejam alcançados? A maioria sim. Eles sabem, mas estão presos nessa teia. É um tema que eles não querem debater pois sabem que isso implicaria mudar uma lógica que funciona para eles. O preço disso nós já vimos qual é.
Importa dizer que esse não é um debate apenas em nível nacional. O mundo inteiro está percebendo o impacto das redes sociais e como elas podem afetar e até destruir democracias. Não se trata de uma bomba que de uma hora pra outra vai implodir o sistema.
Você já ouviu a expressão “fogo de monturo”? Monturo na roça é aquele resíduo que é gerado nos quintais e onde não existe coleta de lixo. As pessoas fazem um amontoado de folhas das árvores, embalagens, roupas velhas, enfim, tudo que é descartado. Quando se torna uma pequena montanha, botam fogo. O interessante é que o monturo não vira uma fogueira. Se não tivesse fumaça, possivelmente acharíamos que está tudo bem, mas está queimando lentamente por dentro até que no fim tudo é queimado.
É como eu vejo o efeito das redes sociais da forma como vêm sendo usadas na sociedade e por consequência, na democracia.
Claro que surgirão os fatalistas afirmando que não há nada que se possa fazer contra isso. É verdade que é difícil, mas se você pode escolher perder de 1x0 ou empatar o jogo, por que aceitar um 7x1?
Caso queira se aprofundar um pouco sobre esse assunto, considere ver o documentário “Privacidade Hackeada” disponível na Netflix.
O livro “Acredite, eu estou mentindo” pode ser adquirido aqui: ver livro.
O que você acha desse assunto? Deixe um comentário =)
Até a próxima!
É exatamente isso que acontece. Infelizmente! :(